domingo, 17 de fevereiro de 2013

Belorado a Agés (27,7 Km)

 Etapa 11 (09/05/12): a grande descoberta!


 


No Caminho Francês sempre vamos no sentido oeste, portanto não pegamos sol pela frente. Diariamente parava para tirar fotos do nascer do dia que ficava para trás. Vejam algumas delas.





Cinco kilometros após minha saída,  passei pela pequena localidade de Tosantos. Achei interessante um grande paredão rochoso, com várias covas parecendo casas do antigo homem da caverna. Neste paredão é onde fica encravada a Ermita da Virgen de la Peña.


Passando por Villambistia, com sua entrada caracterizada ainda por um pedaço de calçada tipo romana preservada, a qual consta que foi construída por Santo Domingo de La Calzada.



Interessante que da mesma forma que pegamos trechos maravilhosos com deslumbrantes paisagens, passamos algumas vezes muito próximos às carreteras (rodovias). No geral, os condutores dos veículos respeitam o peregrino. Neste trecho específico achei perigoso, pois andava literalmente pelo pequeno acostamento.
Mais a frente, eis Villafranca Montes de Oca, cuja entrada é num cruzamento perigoso, inclusive quase sem acostamento para o peregrino atravessar, bem ao lado do Restaurante El Pajaro. Deu até vontade de parar um pouco, pois alguns peregrinos estavam a sua porta descansando e tomando uma "gelada", optei em parar mais adiante.
 
Este lugarejo antigamente foi sede de bispado e atualmente é um pequeno lugarejo à beira do Caminho, cuja população não passa de 200 habitantes.

Estava um calor infernal e aqui, na saída da cidade, começava uma subida muito dura de cerca de 6 Km.

Minhas panturrilhas começaram a doer muito, precisava mais do que nunca parar um pouco para fazer um alongamento, estava exausto de tanta subida. Eis que surge um mirante proporcionando uma vista exuberante...
Colado ao mirante ficava uma área de descanso, chamada Fuente de Mojapán...  era tudo que precisava... enquanto contemplava a paisagem não perdia tempo recompondo as energias com tangerina e gatorade.
Mais subidas...
Como disse em postagens anteriores, fazemos o caminho a pé, de bicicleta ou de várias outras maneiras ...
Já num platô, chamado de Alto de La Pedraja, cerca de 1.200 metros acima do nível do mar, passei por um monumento denominado "A los caídos", erguido em granito, homenageando os heróis da guerra civil de 1936. Orei rapidamente e segui caminho.
Se subimos, haveremos de descer em algum momento... sofrimento na certa para os joelhos!
Este trecho é muito bonito, caminhamos por um bom tempo ladeados de pinhais...
Este é o Alexandre (RJ), "carioca voador", amigo que fiz no caminho que tinha passo muito rápido. Com seu vigor físico invejável e estudioso do Caminho, sempre nos fornecia informações detalhadas e preciosas.


Muito cansado cheguei a San Juan de Ortega, cidade muito pequena, quase de uma rua só e com cerca de 30 habitantes. San Juan de Ortega ajudou Santo Domingo de La Calzada em algumas construções. Quando morreu, em 1163, foi sepultado neste local. Acolheu muitos peregrinos.


Alguns anos após a morte de San Juan, a rainha Izabel, peregrinou pela região, em busca da fertilidade perdida (San Juan tinha fama de santo da boa fertilidade). Parece que deu certo, pois a rainha, agradecida, mandou construir este monastério, que hoje funciona como albergue.
Foi construída também uma igreja românica, onde está o mausoléu de San Juan. Visitei o seu interior, rapidamente, pois queria mesmo era sentar um pouco e relaxar.
Imaginem: sol escaldante e peregrinos sentados em frente a uma taverna... não deu outra, parei e calmamente tirei a sandália e meias, coloquei meus pés para secarem... que alívio! passaram muitos peregrinos, inclusive todos os brasileiros que pernoitaram em Belorado. Sorvi uma taça de vinho branco geladíssimo, e após uns 50 minutos segui caminhada.


Passando por uma estrada de terra batida, com vegetação bastante seca, um peregrino passou por mim, e, como fazia sempre, desejei-lhe buen camino, mas não houve resposta, insisti por mais duas vezes, e nada de resposta... então me distrai um pouco neste momento e pisei exatamente numa poça d'água (choveu no dia anterior), resultado: como estava de papete, molhei totalmente as meias, teria que parar novamente, secar os pés e trocá-las adiante.
Por alguns minutos fiquei pensando sobre os diversos motivos da não retribuição do meu cumprimento por parte do peregrino... pensei: ahhh, deixa pra lá... orei por ele e segui viagem! Comecei a andar um pouco mais rápido, pois queria logo chegar no destino final, estava me arrastando e muito desgastado devido ao calor.
Poças de lama
Ainda em oração, absorto olhando para o chão e com receio em pisar em outra poça d'água (lama, rsrsrsrs), senti dois besouros tentando pousar na aba do meu boné, bati com a mão para tirá-los e quando observei melhor, eram duas lindas borboletas... me acompanharam por alguns metros... fiquei tão extasiado que nem tirei foto delas...
Este momento foi mágico e de grande descoberta... foi exatamamente neste trecho que consegui ter a plena convicção de que para se fazer o caminho não precisa ter pressa... era necessário contemplar e viver intensamente não só os lugarejos, sua gente, sua cultura, mas também as paisagens e todas as coisas que a natureza nos reserva durante o caminho... 
Estava passando diante de um lindo bosque e nem tinha percebido isto, com a ansiedade me empurrando para chegar logo no destino do pernoite.

Não contei conversa... adentrei um pouco no bosque e descansei sob a mochila... vendo os peregrinos passarem... ouvindo os sons da natureza, dos pássaros, que não eram poucos, do vento batendo nas folhas... observando elas caírem do topo das árvores... enfim, nesta hora e meia vivi uma paz de espírito plena!





Deixando o bosque... lindo e marcante momento!


Interessante a alternância de vegetação... árvores secas, depois um bosque, e agora vegetação rasteira muito verde com algumas árvores secas...


Finalmente avisto Agés...

Fiquei no Albergue San Rafael (privado), logo na entrada da cidade, pequeno mas muito aconchegante e bem cuidado.

Quando cheguei muitos brasileiros já tinham se instalado, ficando num quarto com somente 3 beliches e banheiro privativo. Fui recebido pela hospitaleira Ana, um amor de pessoa, alegre, receptiva e muito afetuosa. O espírito do caminho está aqui... as pessoas recebendo os peregrinos bem e espontaneamente!
Na foto abaixo me despedindo de D. Ana, com um beijo e um longo abraço, naquele momento senti que um dia ainda voltaria a vê-la...

Agés está a 518 Km de Santiago de Compostela, é uma cidade pequena com os serviços básicos.



Lindas tulipas
Todas naturais hein!


Casa decorada com vieiras

Durante o passeio de reconhecimento da cidade reencontrei este peregrino da Hungria, pena que não peguei seus dados. Em algumas etapas nos cumprimentamos e trocamos algumas informações. Detalhe: somente através da mímica! hehehehe, ele só sabia a sua língua pátria.

Momento importante que fazia parte da rotina diária: inspeção cuidadosa dos pés e o devido tratamento.










4 comentários:

  1. Sucesso total !!!
    E se tudo valeu a pena, o "Caminho" não importa .

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  2. Um dos trechos mais bonitos.Eu também vou voltar lá um dia... Abraços, Alexandre (BH)

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  3. Xico, adorei as fotos. Aquele deitada no bosque me deixou de água na boca. Muito legal seus escritos e fotos. Parabéns!
    Pirinho

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