domingo, 28 de outubro de 2012

Estella a Torres Del Rio (29 Km)

Etapa 6 (04/05/12): dia de muita dor !

Acordei cedinho, ainda escuro e após o café da manhã, já no alongamento matinal, o tendão direito deu sinal de vida, ou seja, estava muito dolorido, apesar da massagem do dia anterior. Hum..... mal presságio para quem programou andar hoje aproximadamente 29 Km, a depender da condição física principalmente.
Saindo de Estella, mais ou menos 2 Km, passei por uma vilarejo chamado Ayegui, parece até um bairro de Estella, achei interessante a figura abaixo desenhada em ferro batido num portão de uma casa.
Caminhando por mais 5 minutos, passagem obrigatória: Bodegas de Irache, vinícola fundada em 1891, antes era um mosteiro que foi o primeiro hospital de peregrinos da Navarra.
No portão principal da vinícola, à disposição dos peregrinos, está a famosa Fuente de Irache, com duas torneiras: numa sai água e noutra vinho. Os peregrinos podem se servir a vontade... só fiz experimentar um pouco, pois não é lá um Gran Reserva! rsrsrs
Inscrição cravada na pedra logo ao lado da fonte: "Peregrino, Si quieres llegar a Santiago, con fuerza y vitalidad, de este gran vino echa un trago, y brinda por la felicidad! Fuente de Irache, Fuente del Vino".

Museu do vinho, pena que estava fechado pois era muito cedo
Após a parada em Irache, o corpo esfriou um pouco e a dor veio com toda força, comecei a mancar... a partir deste momento tentei parar o mínimo possível, pois doía menos, diminuindo as paradas.
Abaixo mais uma espanhola comercializando sucos e sanduiches, além de um pequena vitrine com mil e uma utilidades para os peregrinos... passei direto.



Chegando em Azqueta
Azqueta é uma cidadezinha que chama atenção somente pelo fato de possuir um personagem famoso, falado e comentado em quase todos os livros sobre o Caminho, o Pablito.  Ele confecciona cajados de pau de avelã e distribui aos peregrinos que passam em frente a sua casa, a qual fica na saída do local. Não sei se passei muito cedo, mas não o encontrei... talvez trocasse meu bastão articulado por um cajado... mas se não encontrei é porque não era para trocar o bastão... é o destino! (acredito nisso)


Placa com traço vermelho indicando final da cidade
Após uma subida e próximo à Villamayor de Monjardin passei por uma fonte medieval, do século XIII, e em estilo gótico, chamada de Fuente de Los Moros. Dentro desta casinha de pedras quase no meio do nada, tem uma escada e a fonte propriamente dita. Parada muito rápida para aproveitar a sombra e segui rápido, tentando esquecer a dor... 
Engraçado, fiquei por um longo tempo tentando enganar a dor mentalmente... sempre pensando em tudo menos na dor... muitas vezes deu certo.

Vista da entrada de Villamayor de Monjardin
De Villamayor de Monjardin a Los Arcos são 12,3 Km sem nenhuma localidade, com poucas sombras... mas com um cenário muito bonito!


Avistei uma peregrina com uma bolsa tiracolo e um bandana na cabeça, ambos com a bandeira do Brasil. Foi ai que conheci a Marly, de São Paulo, pessoa bastante alegre e comunicativa, que estava fazendo o Caminho pela segunda vez. Nos encontramos em algumas etapas e em Santiago de Compostela.

Faltando ainda 9 Km para Los Arcos, encontrei o Moizés (DF) e a Carol(DF) que estavam lanchando, me convidaram, deu vontade, mas fiquei com receio de parar e o tendão incomodar na volta... então segui estrada...
 
Fiz questão de tirar esta foto: Aquele sol escaldante... com uma dor forte no tendão... naquele momento andava muito olhando para os pés... deparei-me então com um caracol. Via aquela imensidão de estrada que não acabava mais, e ao mesmo tempo tive a percepção de enxergar um minúsculo caracol. Naquela hora tive a plena certeza que estava conectado ao caminho, a partir daquele momento percebia nitidamente as pequenas coisas do caminho! Inclusive o Moizés (DF) tinha comentado algo sobre isto ainda no 2º dia, em Roncesvalles.

Neste momento conheci um outro médico de Brasília, o Antero, ele me viu caminhando e perguntou porque mancava, respondi-lhe que o tendão estava doendo. Falou que provavelmente seria uma tendinite e orientou que andasse devagar, bebesse muita água, na próxima parada passasse gelo e tomasse algum antinflamatório. Por um bom tempo caminhamos juntos, apesar de ter insistido para que adiantasse o passo, pois eu andava devagar demais. Ele não se incomodou e disse que não tinha pressa e que iria me acompanhar mesmo assim. A solidariedade no Caminho é sempre constante!
Já tinha andado 21 Km desde Estella, e tomei a difícil decisão de não pernoitar em Los Arcos, pois no outro dia só queria andar cerca de 20 Km para Logroño, cidade de considerável tamanho.
Esta foto tirada logo na entrada de Los Arcos é histórica e emblemática por dois motivos, explico: o primeiro, foi o local em que bebi a minha primeira e única coca-cola durante todo o caminho, aquele sol na cabeça deu muita vontade (hehehehe), inclusive após a máquina ter engolido uma moeda de 1 euro; e segundo, estes dois amigos, ambos de Brasília(DF), são médicos e se falavam por telefone há anos, um mandando paciente para o outro de hospitais diferentes, mas olhem a coincidência e o destino: se conheceram pessoalmente fazendo o caminho, que maravilha!!!!
Ladeado por Antero(manga curta) e Moizés(de casaco)
Ruela em Los Arcos
Não parei em Los Arcos, de passagem vi muitos peregrinos descansando e lanchando em frente à Igreja de Santa Maria, construída no século XII e em estilo românico. Existe uma praça na lateral da igreja, que leva o mesmo nome, onde tem muitos restaurantes e barzinhos.
Na entrada da cidade o Portal del Castilla
Secadora de roupa de um albergue em Los Arcos

Antes de chegar a Torres Del Rio, ainda passamos por uma localidade bem pequena chamada Sansol.
Prédio da prefeitura de Sansol
A apenas 1 Km do destino final do dia
Torres del Rio é um vilarejo pequeno, mas possui uma estrutura razoável. Antigamente era uma cidade tipicamente de hidalgos (fidalgos), com muitas casas de pedras e nas suas fachadas encontram-se os brasões das famílias.

Hospedei-me no Albergue La Pata de Oca (Calle Mayor, 5, tel 948378457), privado, a 10 euros, com boas instalações. Na chegada vi logo que a localidade fazia frio à noite, pois nas camas estavam dispostas algumas mantas. Até piscina tinha, mas não me atrevi, pois apesar do sol, o clima começava a esfriar.


No próprio albergue funciona um bom restaurante com decoração templária. Após o almoço aproveitei para colocar gelo no tendão, o local ficou até dormente, sendo alertado pelo Moizés para que não ultrapassasse 20 minutos direto com gelo. Mas acabei esquecendo...



Papeando e tentando se comunicar com o Brasil
No final da tarde e depois de ter colocado bastante gelo na contusão, demos uma volta pela cidade... visitamos a pequena Igreja do Santo Sepulcro, parecida com a de Eunates e construída octogonalmente. Trata-se de uma construção templária.
Ao entrar na igreja uma senhora que controlava a entrada e cobrava 1 euro, nos recebeu muito bem e contou um pouco sobre a história da igreja. Aproveitei para tirar uma foto do lindo teto, mas tomei surra danada, pois não conseguia o ângulo certo para pegá-lo por completo. A senhora calmamente interrompeu e disse: "está vendo aquele furinho no chão da igreja? ponha sua máquina ali no chão, ligue o temporizador que terá uma foto quase perfeita". Eis o resultado:



Mais uma etapa vencida! À noite, ao deitar-me, durante as minhas orações e pensando neste dia, cheguei à seguinte conclusão: não há caminho sem dor e cada um paga o preço do seu sonho!