sábado, 29 de junho de 2013

Samos a Portomarín (32 Km)

Etapa 26 (24/05/12) - dia de sentir as forças renovadas!

A noite foi bem tranquila, como dizem: um "sono dos deuses". Dormir em Samos foi um presente do Caminho que reforçou o sentimento de estar em peregrinação. Acordei disposto e renovado a caminhar como se estivesse no meu primeiro dia de jornada.
A saída é mal sinalizada com poucas placas. Em algumas bifurcações o peregrino deve ficar bem atento, pois só existem marcas no chão.
Como saí cedo, foi um caminho solitário, não vi peregrinos e nem tampouco qualquer pessoa... caminhando de cabeça baixa deparei-me com um cão... por instantes fiquei com medo, que foi logo vencido, pois percebi que ele estava com muito mais medo de mim! rsrsrsrsrs
Após caminhar por cerca de duas horas e meia sem ver qualquer pessoa, volto ao percurso original do Caminho numa localidade chamada de Aguiada... nem fotografei...
Aqui já em Sarria, cidade de porte considerável, com mais de dez mil habitantes...


Parei para tomar meu café da manhã na rua principal, num restaurante chamado Mesón O Tapas, boa estrutura e atendimento.
Logo na saída, após uma linha férrea , atravessei lindo bosque! 

Em Barbadelo, 5 Km depois de Sarria, parei neste ótimo albergue (Casa Barbadelo), excelente estrutura. Fato: às vezes pernoitamos em cidades grandes, cheias de atrações culturais próprias do Caminho, e perdemos algumas maravilhas de locais pequenos e isolados, que com certeza nos propiciariam um bom descanso e momentos de reflexão... fica a dica!



Nesta sombra fiquei a ouvir os sons da natureza: canto dos pássaros, ventos tocando nas folhas das árvores, água do riacho correndo... não me contive, tirei as botas e coloquei os pés na água, realmente relaxante. Pena não ter passado ninguém para tirar uma foto... e olha que demorei uns 30 minutos!


Momento de muita emoção: este marco é o registro que faltavam apenas 100 Km para chegar a Santiago de Compostela. Após 26 dias de caminhada, sentia que um dos objetivos de minha jornada estava cada vez mais próximo. Do nada comecei a chorar, sem entender muito o porquê... era um sentimento de felicidade enorme, parecia até que já tinha passado naquele local, muito estranho.
Fiz algumas orações, agradecendo ter conseguido chegar até ali em paz e com saúde.


Galícia é Galícia... 
Peregrina alemã teve trabalho para passar, ficou uns 5 minutos tentando tanger a vaca do caminho... foi engraçado!
Atravessar trechos com sombras como estes dava uma sensação muito boa! 


Incrível, nenhum lugar do meu corpo doía, estava inteiro!

De longe se via uma cidade...
Era Portomarín... com sua linda entrada pela ponte medieval sobre o Rio Minho.

Só esta visão já valeu todos os quilômetros percorridos naquele dia...
Mas para chegar à cidade propriamente dita ainda teria que subir esta escadaria de pedras. No topo fica a Capela de Nossa Senhora das Neves.

Instalei-me no Albergue Ferramenteiro, privado, ao custo de 10 euros, parecia mais um hotel do que albergue, instalações modernas,  limpíssimo, capacidade para 130 peregrinos e completo com todos os serviços.
Fui muito bem atendido pela jovem e solícita hospitaleira Lorena, a qual após carimbar minha credencial, mostrou as instalações e o beliche que deveria me acomodar.

Da copa dava para ter uma boa visão do Rio Minho...


Na saída encontrei alguns brasileiros e fomos num restaurante chamado Perez, bem aprazível. Pra variar, deliciei-me com um pulpo à galega muito macio e saboroso!


Após o almoço saí para conhecer a cidade, a qual dispõe de muitos albergues, hostais, restaurantes e uma variedade imensa de lojas de souvenirs.



Esta é a Igreja San Nicolás (antiga San Juan), construída no século XII, com características de fortaleza. Notei inúmeras pedras numeradas. Explico: em 1960, com a construção de uma represa no Rio Minho, a parte antiga de Portomarín foi inundada, e alguns monumentos e edificações importantes foram transladados pedra por pedra, dai tiveram a ideia de numerá-las, a fim de facilitar a reconstrução.

Prédio da prefeitura local...
Voltando ao albergue a vista é maravilhosa...

Sentei-me por um longo tempo na frente do albergue, papeando com o Edilson, capixaba, amigo de todas as horas, que caminhou várias etapas suportando a dor de uma tendinite, mas lutou valentemente. 
Foi neste momento, contemplando o pôr do sol, que voltei a pensar: está acabando... tristeza e alegria se misturavam num sentimento maravilhoso... que sensação boa, de leveza e de realização.


sábado, 15 de junho de 2013

Alto do Poio a Samos (21 Km)

Etapa 25 (23/05/12) - dia de autoconhecimento e solitude (na minha própria companhia).

O amanhecer da Galícia é muito lindo, com paisagens exuberantes...
Campinas e muitos pastos...

Planejei seguir até Samos... mas depois da frustração de não ter ficado no dia anterior no Cebreiro, exercitei fixar em outro pensamento, mentalizava a todo momento: se der para ficar em Samos que aconteça normalmente, caso contrário, seguirei em frente. Caí na real que nem sempre as coisas acontecem como planejamos.
Nesta etapa andei sem companhia de peregrinos... passava um ou outro muito esparsamente.
Algumas descidas e trechos bem planos deram um ar de tranquilidade ao dia, que foi bastante contemplativo e de reflexão. Quando caminhamos sozinhos a introspecção acontece facilmente. Parei por uns 30 minutos neste local e fiquei pensando na vida... um silêncio acolhedor, só interrompido pela suave brisa... 
Mais uma vez indagando quais as razões que me levaram ao Caminho... e pensando se o objetivo tinha sido alcançado... comecei a sentir que uma parte deste pequeno ciclo começava a se completar...
Após lindos bosques, passei por Triacastela... 
É uma cidade pequena, mas com várias opções de bares, restaurantes, albergues e hostais...
Fiz uma pequena parada para oração na Igreja de Santiago, uma construção românica, graciosa e bem aconchegante. 

Na saída há uma bifurcação, onde o peregrino deve fazer a opção de prosseguir por Samos ou por San Xil, ambos desembocarão mais adiante em Sarria. Optei pela esquerda, por Samos, mesmo aumentando o percurso em 6 Km.
Margeei a autopista por uns 2 Km, com pouco tráfego de veículos.
Interessante o cuidado com as encostas. São instaladas telas protetoras contra possíveis deslizamentos de pedras.
Imaginei passar uns tempos numa casinha como esta, incrustada na rocha. Maravilha!
Daí em diante foram paisagens lindas, com bosques, pequenos rios e cachoeiras.
Em alguns momentos, passava cerca de 30 minutos caminhando embaixo das sombras das árvores... 
Povoado de Lastres, 5 ou 6 casas somente.
Povoado de San Martiño.
Parei numa casa onde havia um veículo bastante antigo à venda... bati palmas para ver se chegava alguém a fim de fornecer informações, mas quem apareceu foi um cão latindo, não pensei duas vezes, bati em retirada rapidamente... hehehehe
Finalmente cheguei ao destino de parada nesta etapa: Samos!
Do alto se avista logo o imponente Monastério da cidade.

Fiquei alguns minutos contemplando lá de cima, senti uma transmissão de coisas boas, nem sei como explicar, era muito prazeroso chegar naquele local... como se algo muito forte estivesse me chamando.
Samos quer dizer "lugar onde se ora". Possui cerca de 1.700 habitantes e constitui-se um ponto místico do Caminho. A cidade estava muito tranquila, poucas pessoas circulando nas ruas.
Tinha programado ficar no albergue do próprio monastério, mas só abriria às 15h e ainda eram 13h. Fiquei na porta pensando o que fazer...
Logo à frente observei um outro albergue, o Albaroque, nem pensei em esperar, pois estava ávido por um banho. Boas instalações, ao custo de 9 euros, mas pequeno, contando somente com 10 lugares. Foi inclusive aonde almocei um delicioso pulpo à galega. 

À tarde saí para dar uma volta e conhecer o Monastério, também chamado de Mosteiro de San Julián de Samos. Trata-se de uma construção medieval, do século VI, pertencente à Ordem dos Beneditinos.  

Tem capacidade para acolher confortavelmente 150 monges, só que naquele dia estavam em retiro somente 15.
O conjunto arquitetônico dispõe de uma igreja, em estilo barroco, construída em 1748.

Após percorrer externamente o monastério, adentrei às instalações internas, realizando uma visita guiada por um monge, o qual gentilmente forneceu muitas informações. 
Corredores lindos, com quadros e pinturas cuidadosamente bem conservadas, as quais contam a história do monastério.
 
 
O monastério possui dois claustros: o pequeno, construído em 1539; e o grande (foto abaixo), construído entre 1685 e 1689, com cerca de 3.000 m², considerado um dos maiores da Espanha.
 
Por volta das 19:30h, retornei ao monastério, a fim de assistir a uma missa. O encarregado do albergue reuniu cerca de 30 peregrinos, e nos conduziu a uma pequena capela no interior do monastério. Passamos por diversos corredores e escadarias, sempre com a recomendação que fizéssemos silêncio. 
Acomodamo-nos em bancos, e aos poucos os monges sentavam-se nas cadeiras próximas ao altar. No início, o grupo inquieto de peregrinos demorou a entrar em sintonia com o silêncio e quietude do ambiente. Foram aproximadamente 20 minutos antes de começar a cerimônia. Naquele instante, não houve nenhum pedido de silêncio, apenas foi aguardado o tempo da percepção de cada um. Excelente sensação... concentrei em mim, ouvindo minha respiração e meus batimentos cardíacos, transportando-me e imaginando como seria isto no passado.
Só depois deste precioso tempo, foi iniciada a missa, em espanhol e com cantos gregorianos. Lindíssima e emocionante! Lembrei das histórias que meu pai contava quando foi interno do Colégio Salesiano em Salvador.

Ao dormir, indaguei-me sobre a resposta do que estava me chamando em Samos: em especial, tive a certeza que foi o encontro do autoconhecimento e a plenitude do meu ser!