domingo, 21 de abril de 2013

San Martín Del Camino a Astorga (24 Km)

Etapa 20 (18/05/12) - Dia de imersão na riqueza cultural de Astorga

Que beleza de amanhecer... nunca finda...já são 20 dias de intensa contemplação, que maravilha!
Cerca de 8 Km após minha saída, passei por Puente y Hospital de Órbigo, cidade com boa estrutura, bem aconchegante, uma pena não ter ficado aqui... mas o interessante do Caminho é isso mesmo, nem sempre sai como planejado... tem muito do destino!
Na entrada do povoado, atravessei a ponte medieval construída sobre o Rio Órbigo, também chamada de Puente Del Paso Honroso, atualmente com 19 arcos. Muito bonita!
Dá-se esse nome pela seguinte história ocorrida em 1434: houve um famoso torneio de justas, desporto da idade média disputado por dois cavaleiros com armaduras. Neste torneio, em particular, o vencedor ganharia o amor de uma dama e quem perdesse ou não quisesse lutar tinha que atravessar o rio a nado... atualmente o rio está quase seco.
Estava frio, uns 12 graus, parei na companhia do Alexandre(BH) para tomar um chocolate quente, num  dos muitos albergues do local. Na saída do povoado, o amigo peregrino deu conta que tinha esquecido o seu cajado na parada... coisa normal, se não fosse a quinta vez durante o caminho! hehehehe
Monumento em homenagem aos peregrinos no pequeno lugarejo chamado de Villares de Órbigo...
Esta etapa foi caracterizada por uma vegetação muito verde!
Em Santibañez de Vadeiglesias, outro minúsculo local, cliquei do que restou de uma quadra de basquete... viajei com esta foto inusitada,  imaginei uma partida de basquete numa quadra nesta situação! rsrsrsrs
Não era a Galícia ainda, mas... alguns sinais já começavam a aparecer!
Trecho de planície muito tranquilo... 



Embaixo da sombra de uma oliveira, um morador local oferecia tangerinas para ganhar alguns trocados... deu vontade de aproveitar a sombra para tirar uma bela de uma soneca... mas não parei, só o cumprimentei de longe.

O feno é colhido e embalado em grandes rolos, provavelmente  para estocagem, deixando o cenário um tanto bucólico.
Realmente um trecho muito calmo... as pedrinhas é que incomodavam um pouco, aliás, muitas vezes, pois se escondiam entre a meia e a papete...
Após quase duas horas sem passar por nenhum povoado ou casa, e a 6 Km de Astorga, reparei que havia uma construção e que muitos peregrinos estavam parados descansando...
Claro que parei... tratava-se de um tenda repleta de sucos, uma variedade imensa, também de frutas... Fui recepcionado pelo David, o qual criou este espaço, chamado Fundación La Casa de Los Dioses, com a finalidade de manter a pureza original do Caminho, oferecendo aos peregrinos um lugar para relaxar, saborear frutas e sucos. Interessante que após provar estas delícias, perguntei-lhe quanto tinha custado e ele respondeu que era donativo. Não pestanejei e deixei uma pequena contribuição.
Se lembram da queimadura? pois é, ainda com as botas aposentadas, ao término da etapa faria mais um teste de cicatrização total, a pele já tinha secado bastante!
Parada no Crucero de Santo Toribio... já dava para ver Astorga de longe.
Descida no cimento... de doer os joelhos, fui bem devagar!
Mas antes ainda passei por San Justo de La Vega...
Finalmente chegando em Astorga... após ziguezaguear em uma passarela metálica sobre a linha férrea...
Podemos dizer que é a cidade mais romana do Caminho, logo na entrada vê-se a inscrição:  Astvrica Avgvsta. No período pré-romano foi denominada de Asturica pelos latinos, e cognominada Augusta pelo primeiro imperador romano, Augusto, no século I. 
É aqui em Astorga que dois caminhos se convergem, o Francês e o Via de la Plata
Pensei em ficar no primeiro albergue que aparecesse, e não deu outra, logo na entrada da cidade, no topo de um ladeira, eis um conservado prédio de 3 andares...

Era o Albergue de Peregrinos Siervas de María, completo, somente 5 euros, instalações impecáveis, comportando até 164 peregrinos. Mas o que me chamou atenção foi a forma como fui recebido por um hospitaleiro, o qual, aparentando ter uns 75 anos, me acolheu como se fosse seu filho... estava apressado para me instalar e tomar um banho... e ele, calmamente, antes de carimbar a minha credencial, pediu que sentasse e começou a aconselhar-me sobre os cuidados para se fazer um Caminho em paz e com saúde, enquanto fazia uma massagem nos meus ombros. Foram 15 minutos de conversa que valeram por quase quinze dias de caminho... viajei lembrando de meu avô paterno dando-me conselhos quando passava minhas férias em Caldas do Jorro, balneário do interior da Bahia.


O edifício era um convento até 2004. No mesmo lugar, quase mil anos atrás, havia um hospital de peregrinos. Dos fundos do albergue tem-se uma bela visão da parte residencial da cidade.

Morrendo de fome, saí à procura de um restaurante. Encontrei vários na Plaza Mayor, mas queria experimentar o famoso cocido maragato..

O cocido maragato é um prato dos mais típicos da região da Maragatería (província de León), especialmente em Astorga. É um guisado que tradicionalmente alimenta trabalhadores rurais em uma única refeição para um dia de trabalho duro. É  basicamente composto por batatas do reino, repolho, grão de bico e sete tipos de carnes. 
Acompanhado de Almir(DF) e Alexandre(BH)
Realmente depois de uma refeição como esta, exceção de todo o meu Caminho, tive que retornar ao albergue e foi uma hora de sono. Acordei observando uma discussão, no bom sentido, entre o Alexandre(BH) e uma espanhola, esta, reclamando dele que estaria roncando muito alto... coitado, ele estava acordado... pois então a moça insistentemente falava: "és más grande roncador da Europa".  Rimos muito depois!
No final da tarde fui conhecer melhor Astorga. É uma cidade encantadora, de uma riqueza cultural exemplar, não é famosa somente pelo maragato, ou mantecadas (biscoitos amanteigados) ou ainda pelos seus chocolates, lá encontram-se dezenas de lojas de chocolates. Conta com aproximadamente 12.200 habitantes que se orgulham também dos inúmeros monumentos, igrejas, convento e de seus museus (romano, do chocolate e catedralício).
Elegi para visitar duas importantes edificações. A primeira, o Palácio Episcopal, obra do arquiteto Antonio Gaudí, construído em 1887, em estilo modernista catalão, onde atualmente  funciona o Museu de Los Camiños. Muito bonito!
A segunda, a Catedral Santa María de Astorga que teve sua construção iniciada no século XV e concluída no século XVIII. É uma mistura de estilos gótico, renascentista e barroco. Simplesmente exuberante!
Retornando ao albergue, dei uma volta margeando uma parte das muralhas, bem conservadas, que durante séculos serviram para proteger a cidade.
Eram 22:30 horas e quase a totalidade dos peregrinos já estavam dormindo... eu? ainda terminando anotações do dia e revendo as do dia seguinte...


quarta-feira, 10 de abril de 2013

León a San Martín Del Camino (24,3 Km)

Etapa 19 (17/05/12) - Dia de muitas reflexões e questionamentos!


A saída de León é mal sinalizada, o peregrino deve estar bem atento às poucas setas, mas, logo após 3 km, passei por Trobajo Del Camino, cidade com boa estrutura. Alguns peregrinos pernoitam aqui, fugindo do grande centro de León.
Ermita Del Apostol Santiago, construída no Sec XVIII. No seu interior existe a imagem de Santiago Matamoros, do século XIX.



Quem disse que o Caminho de Santiago só são flores?


Provavelmente não deve ter passado pela dura saída de León, uma zona industrial muito cansativa...

São quase 4 Km passando por indústrias, e tome-lhe asfalto até chegar ao povoado de La Virgen Del Camino...

É um lugarejo com estrutura razoável, possuindo cerca de 5 mil habitantes.

Dia com clima agradabilíssimo: exatos 16 graus. Mês de maio é um excelente período para se fazer o Caminho de Santiago...

Nesta localidade está situada a Basílica da Virgen Del Camino. No início do Sec XVI era um santuário, sendo que passou por uma grande reforma em 1961, mantendo a aparência e boa conservação até os dias atuais.
Fachada da basílica, com estátuas dos Apóstolos
Após 200 metros da basílica passei por esta placa indicativa, a qual orientava os peregrinos a optarem por um caminho alternativo ou seguir o caminho original; fiz a segunda opção, seguindo direto, margeando a carretera.

Acompanhei este casal de franceses por alguns minutos, tínhamos trocado algumas palavras em espanhol durante o café no albergue, e quando nos encontramos nesta subida, ele começou a sambar e dizer vibrando: "Brezil, Brezil, Brezil"... muito engraçado!

Mais adiante passei por dois municípios, Valverde de La Virgen e San Miguel Del Camino, cliquei duas coisas que me chamaram atenção: a primeira, os ninhos de cegonha no campanário da igreja de San Miguel Del Camino...


e a segunda, os jardins de algumas casas ornamentados caprichosamente com estátuas de Santiago feitas em ferro.


Paradinha básica no Mesón El Yantar Del Peregrino, restaurante/lanchonete na saída do segundo povoado... adivinhem qual foi o lanche?


Barriga cheia e retornando ao caminho!


Neste dia, logo ao acordar no albergue em León, minha lanterna de cabeça, muito útil para o peregrino, tomou uma queda e se espatifou no chão, não funcionando mais... deixei-a no albergue e fiquei preocupado, pois teria que comprar outra e talvez fosse difícil achar daquele modelo. Ledo engano, quase chegando próximo a um povoado encontrei uma loja especializada em ferramentas, a Ferreteria Anibal - Reyma... tinha tudo que era treco e todos os modelos de lanterna... o Caminho tem destas surpresas!


Povoado adiante era Villadangos Del Páramo, pequeno, contando com pouco mais de 1000 habitantes.
Logo na entrada da cidade está situado o Albergue Municipal, espaçoso (72 lugares), ainda estava fechado, pois eram 11 horas... poderia ter pernoitado aqui, mas só tinha caminhado 19 Km, estava recuperado fisicamente, e com vigor para seguir em frente, decidiria aonde dormir mais adiante...



Sensação muito boa ao passar por esta placa: apenas 298 Km para o término do meu caminho. Alcançava mais da metade do meu objetivo, com saúde, paz e muita energia. Neste instante me questionei porque estava fazendo o Caminho! responderei a esta pergunta ao final do blog, após a postagem da chegada em Santiago de Compostela. Aguardem! rsrsrs


Na saída do povoado tem uma área de descanso, que fica ao redor de uma lagoa. Este local é chamado de El Estanque, o qual possui uma grande quantidade de aves características da fauna local.
Uns 2 Km após Villadangos os peregrinos necessitam transpor a rodovia N-120, muito movimentada neste trecho, com caminhões passando em alta velocidade. Notei alguns peregrinos com dificuldade para atravessar... ainda bem que tinha policiais da Guarda Civil auxiliando cada um que passava.

Ao lado da rodovia, parei e fiquei por alguns minutos observando um tratorista arando a terra. Perguntei-lhe se estava próximo de algum povoado e ele respondeu que uns 3 Km, desejando-me um bom caminho. Agradeci e desejei-lhe um bom trabalho!

Não demorou e cheguei a San Martín Del Camino, povoado pequeno (370 habitantes), com serviços básicos para os peregrinos, 2 restaurantes, 1 mercado e 3 albergues.

Completados 24 Km neste dia, estava de bom tamanho!
 
Pernoitei no Albergue Santa Ana, privado (5 euros), grande e bem limpo, mas com pouquíssimos banheiros. Possui capacidade para 96 pessoas, digo pessoas porque aceitam qualquer hóspede, não necessariamente peregrino. Foi o que não gostei neste albergue, se soubesse disto antes não ficaria!



Retornei à tardezinha ao albergue, a água que estava faltando em todo o povoado acabara de chegar... aproveitei para fazer um escalda pés. Fiquei por um longo tempo na frente do albergue, vendo os peregrinos passarem...



Pensei o que estava fazendo ali, no Caminho... muitas indagações, a principal delas: porque tinha saído do conforto do meu lar e do aconchego da família para percorrer 800 Km? muitas razões que ao longo deste blog tenho descortinado, muitas questões pessoais que durante quase meio século de vida nunca abri para ninguém, e que estou fazendo agora, através do blog! (engraçado, o que o Caminho não faz hein? hehehehe)
Várias certezas... uma delas: para fazer o Caminho precisei de muita determinação, coragem, força de vontade, fé e disposição para aceitar as mudanças que com certeza adviriam.